O medo como motor da ação pública: uma discussão sobre o impacto dos ecrãs na infância

Recentemente, pesquisadores e profissionais do setor vêm usando um discurso mais agressivo para influenciar ações governamentais e mudar comportamentos familiares em relação ao tempo de exposição de crianças a ecrãs. Essa abordagem baseia-se na injeção do medo como única ferramenta capaz de promover mudanças significativas.
Em 2013, uma tribuna no jornal Le Monde, assinada por cientistas, questionou um relatório da Academia das Ciências. Eles destacaram um estudo que indicava que crianças expostas a mais de duas horas diárias de ecrãs não interativos apresentavam uma redução de 6% nas habilidades matemáticas aos 10 anos. No entanto, os autores da tribuna extrapolaram esses dados, afirmando que cada hora adicional de TV levaria a um atraso de desenvolvimento de 42%. Essa interpretação foi posteriormente desmentida pela pesquisadora original.
Outro exemplo ocorreu em 2015, com a divulgação de desenhos de crianças feitos pelo pediatra Peter Winterstein. Quatro desses desenhos, pouco estruturados, associados a crianças que assistiam TV por mais de três horas diárias, foram usados como prova do impacto terrível dos ecrãs. No entanto, o próprio estudo não oferecia detalhes suficientes para sustentar tais conclusões.
Essas estratégias, embora visando a mudança de comportamento, acabam por distorcer a verdadeira natureza dos impactos do tempo de ecrãs na infância. Ao invés de promover um debate baseado em evidências, o discurso pautado pelo medo pode levar a políticas públicas mal informadas e a uma ansiedade desnecessária entre os pais.